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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Traduzir-se



Uma parte de mim é todo mundo
outra parte é ninguém... fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão
outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta
outra parte se espanta...

Uma parte de mim é permanente
outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem

outra parte, linguagem
Traduzir uma parte na outra parte
que é uma questão de vida ou morte...Será arte?



Ferreira Gullar

domingo, 27 de dezembro de 2009

De que são feitos os dias?




De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...


Cecília Meireles
In Canções

Pedaços de mim




Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.


(Martha Medeiros)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

DO NATAL



É Natal novamente! E uma criança
espalha pela terra a sua luz.
E o mistério da fé traz esperança
prêmio a que o homem entende fazer jus.

Reina nos corações a temperança.
Dobra-se o mundo ao nome de Jesus.
Quem crê, espera, quem tem fé não cansa
vendo a morte vencida numa cruz.

Natal! Jesus renasce em meio ao povo.
Na mesa o pão, que é símbolo do corpo
e o vinho é o sangue nesse mundo novo.

E ei-lo entre nós! Nos permitindo amá-lo
pelo prazer de em vez de vê-lo morto,
a fantasia de ressuscita-lo.


Sylvio Adalberto Nascimento

Cansei de ser poeta



Quantas dores toquei sem perceber
Quantas almas fiz chorar sem querer
Quantos risos e alegrias eu tirei
Em versos que pra você deixei

Quantas histórias suas contei
Quantas minhas pra você declamei
Quantas flores a gente viu brotar
Tantas rosas vimos desfolhar

Quanto amor a gente já viveu
Os meus todos enfeitei
Quantas dores a gente sentiu
As minhas em poesia guardei

Ser poeta às vezes não é bom
A gente vive em outro tom
Fantasia tudo o que sente
Pra doer menos na gente

Se o choro se confunde com alegria
A tristeza se enlaça em fantasia
Se em tudo sentimos perfume e cor
Não importando se é dor ou amor

Quantas lágrimas de mim brotaram
Quantas flores com elas eu reguei
Tantas dores fiz poesia
Quanto amor que vivi virou magia
E você ao me ler, se contagia

Cansei de ser poeta!
Queria apenas ser você!

Obrigado pelo dia de ontem.
Obrigado por ser você!

(Jorge Luiz Vargas)

A Um ausente



Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Eu sei quando tu vens


Não preciso sondar os pensamentos
nem consultar meu vasto coração
para saber os dias e os momentos
em que me vens trazer consolação...

A mim me basta olhar pela janela
e abraçar a manhã no meu jardim,
pois sei que a claridade que vem dela
é a luz do teu amor dentro de mim...

Deixo a brisa tocar a minha face,
ouço as aves que vêm me visitar
e sei de cada rosa que renasce
o teu mágico instante de chegar...

Converso com o vento no telhado
onde o tempo costuma te esperar
de um futuro presente antecipado
por anjos que me vêm te anunciar...

No canteiro de beijos e jacintos
o odor suave de uma flor qualquer
inflama de desejos meus instintos
famintos de teu corpo de mulher...

Então eu sempre sei quando tu vens
sem que precises avisar-me quando...
O amor proclama quando tu me tens
e me prepara quando estás chegando.


Afonso Estebanez

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Para alguém muito especial, minha mensagem de Natal!


Que o natal não se encerre apenas em uma mesa farta. bebida na taça e troca de presentes! Que seja um momento de reflexão, de amor, solidariedade e paz!

Feliz Natal minha querida índia Conceição Bentes, e que você seja muito feliz junto à família e aos amigos.
Você, minha querida índia, faz parte dos meus melhores "momentos" que trago na vida. Tenho um imenso carinho que de tão grande, chamo isso de amor!
Amo você, minha doce e querida Ceição!
Um abraço carinhoso e um beijo do amigo,

Jorge Luiz Vargas
Brasília - DF (61)8180-6202

domingo, 20 de dezembro de 2009

CANÇÃO PARA PAQUETÁ




Paquetá virou Poema
pra versar essa paixão
e o sorriso fez morada
nossa vida iluminada
conduzindo o coração
e o poeta enamorado
num sarau enluarado
vive preso na emoção...

(Paquetá...Paquetá...Paquetá)

Tudo aqui ficou mais belo
arte linda do viver
e tem festa todo dia
Paquetá virou magia
pra rimar meu bem querer
nossa Ilha com certeza
no grande palco da beleza
é cantoria e prazer...

(Paquetá...Paquetá...Paquetá)

Teorema sem igual
no tingir da alegria
já virou cartão postal
o altar da poesia...
Paquetá Ilha do Amor
colorindo meu refrão
onde o poeta e o trovador
se encontram na Canção..

(Paquetá...Paquetá...Paquetá)

Letra: Marçal Filho
Música: Marcelo Fonseca
Intérprete: Jésus Henrique
Itabira MG

Canção Oficial da "Ong: Paquetá Ilha da Poesia" Fundada em 19/12/2009.

Carnaval



Com os teus dedos feitos de tempo silencioso,
Modela a minha mascara, modela-a...
E veste-me essas roupas encantadas
Com que tu mesmo te escondes, ó oculto!

Põe nos meus lábios essa voz
Que só constrói perguntas,
E, à aparência com que me encobrires,
Dá um nome rápido, que se possa logo esquecer...

Eu irei pelas tuas ruas,
Cantando e dançando...
E lá, onde ninguém se reconhece,
Ninguém saberá quem sou,
À luz do teu Carnaval...

Modela a minha mascara!
Veste-me essas roupas!

Mas deixa na minha voz a eternidade
Dos teus dedos de silencioso tempo...
Mas deixa nas minhas roupas a saudade da tua forma...
E põe na minha dança o teu ritmo,
Para me conduzir...



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

Argila


Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...


Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...


É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis)


Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...


Raul de Leoni

(Imagem de Laura Nehr)


MAIS
LUZ
DO
QUE
O
SOL
DO
MEU
CÉU

O
SOM
DO
SEU
SIM


Tchello d'Barros

Soneto de Constatação — XXVI




Nasce um homem.
Quando ele se percebe
joga contra o destino a sua vontade:
quer luzir
quer voar
quer sobrepor-se
para provar que a vida tem sentido.

Trabalha:
cada fruto desse esforço
lhe torna o mundo em forma de desfrute.

Combate:
cada etapa ultrapassada
acrescenta-lhe forças para a próxima.

Pesquisa:
cada jóia imaginada
lhe confirma o triunfo sobre o tempo.

Mas na hora mais densa opaca íntima
em que um espelho cego cobra o sendo
nem glória
nem riqueza
nem poder:

— só interessa mesmo o que lhe falta.


Pedro Lyra

Juntos




De mãos dadas pela vida caminhamos,
carregamos sonhos, ordenamos os passos,
-respeitamos os pensamentos, os silêncios-
vivemos em verdadeiro entendimento.

Nunca fomos solitários juntos,
o amor, a paixão, a razão, nosso mundo,
o que vale é o que sonhamos, celebramos,
viver em união acima de tudo.

Ambos nada sabemos da alma,
apenas fazemos a leitura do tempo,
dos gestos, dos olhares,
do envolvimento e das palavras...


KêniaBastos

Convite



Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.

Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.


Lya Luft

Extraído do livro "Perdas & Ganhos", Editora Record - Rio de Janeiro, 2003, pág. 12.

Somos todos poetas




Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.

Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.


Murilo Mendes

In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.

Soneto da Espera




O verde obstinara-se em teus braços
em mim compôs apenas superfície
de tempo, de que és vértice: nasceste
na tessitura frágil das lembranças.

Carregados teus pés se justapõem
às andanças, maduros de certezas
que tuas mãos colheram, na visão
das auroras caídas sobre a mesa.

Verde, esse teu aliciando ventos
sugere uma esperança vespertina
entre os vãos paralelos das estrelas.

Comigo - claro escuro - o tempo estaca
se verde o sol me abriga, definindo-te
cada vez mais tranqüilo de mistérios.


Zila Mamede

Espaço curvo e finito




Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.

Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.


José Saramago


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

Integração



Estás comigo no meu pensamento,
em toda a parte e a todo o momento.
Impregnas o ar que respiro
e a paisagem que vejo
como um desejo ou como um beijo...

Formas em meu redor um halo de carinho
e tua presença invisível
da-me impressões deliciosas
de quem carrega uma braçada de rosas
e vai deixando um rastro
de perfume no caminho...


Menotti Del Picchia

sábado, 19 de dezembro de 2009

Não deixe o amor passar

Quando encontrar alguém
e esse alguém fizer
seu coração parar
de funcionar por alguns segundos,
preste atenção:
pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e,
neste momento,
houver o mesmo brilho intenso entre eles,
fique alerta:
pode ser a pessoa
que você está esperando
desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso,
se o beijo for apaixonante,
e os olhos se encherem
d’água neste momento,
perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último
pensamento do seu dia
for essa pessoa,
se a vontade de ficar juntos
chegar a apertar o coração,
agradeça:
Deus te mandou um presente:
O Amor.

Por isso, preste atenção nos sinais
- não deixe que as loucuras do dia-a-dia
o deixem cego para a melhor coisa da vida:
O AMOR.


(Carlos Drummond de Andrade)

Motivo




Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste :
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:

– mais nada.


Cecília Meireles

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A Cor do Amor


A Cor do Amor


Perguntei-lhe então,
Se o amor tivesse cor
Qual seria a cor do amor?


Ele respondeu-me assim...
Vermelha, a cor do coração
Ou seria; azul?
Pois meu sonho é sempre blue


Pensei, talvez fosse verde,
Da cor dos olhos dele
Ou quem sabe até dourado
Das lembranças do passado


Creio que só agora acertei a questão
Para mim o amor só tem uma cor
É o tom da pele dele
Matiz exato da minha paixão.


(Karla Julia)

Me abrace


Me abrace
Um abraço daquele apertado
Como se fosse o único
Abraço bem dado
Abraço com fervor
Me abrace por favor

Me abrace
Eu fico quietinho e calado
Só sentindo o seu calor
Mas me abrace por favor

Me abrace
Me deixa ficar entre seus braços
Preso nos seus laços
Um abraço forte
Que espanta até a morte

Me abrace
Esqueça que é minha paixão
Deixa eu escutar seu coração
Bater perto do meu

Me abrace
Não digo nada e não falo de amor
Simplesmente me abrace
E deixa eu me perder entre seus braços
No calor do seu abraço
Me abrace por favor!


Jorge Luiz Vargas

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago

Sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

(Maria Teresa Horta)

Eu te amo porque te amo




Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
eu te amo porque te amo.
amor é estado de graça e
com amor não se paga.

amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira,
no eclipse.
amor foge a dicionários
e a regulamentos vários

eu te amo porque te amo,
bastante ou demais a mim
porque amor não se troca,
não se conjuga
nem se ama
porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo

amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade

Amor Rendido

Ontem fiquei aturdido
com a tua despedida...
Era meu anjo perdido
num labirinto da vida.

Num instante refletido
deixei a alma partida
e a parte reencontrada
ficou em parte perdida...

A noite recém-nascida
nasceu do tempo vivido
vem aurora adormecida
no crepúsculo exaurido.

E minha alma dividida
entre céu e chão batido
transparece agradecida
pelo não compreendido.

E tu me entregas rendida
o que te entrego perdido
sabendo que minha vida
já te havia pertencido...

(A. Estebanez)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Bilhete

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.

(Mario Quintana)

Esquecimento

Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tateio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era meu já não me lembro...
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos...!

(Florbela Espanca)

Como eu te amo

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho nima flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;
Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua;

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;
Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;
Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-te os lábios meus, -- mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti.-- Por tudo quanto eu sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta sofrer, por tudo que te amo.

O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saberás
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem eu te revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

(Gonçalves Dias)

O amor

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de *dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

(Fernando Pessoa)

Para o meu coração...

Para meu coração basta o teu peito
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a sua alma.

És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.


Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.

(Pablo Neruda)