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domingo, 19 de setembro de 2010

Traduzir-se



Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Ferreira Gullar
(Vencedor do Prêmio Camões 2010)

sábado, 11 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A doce dança do tempo



Segure minha mão com firmeza,
mas com carinho.

Olhe nos meus olhos bem fundo
enquanto eu te olho
no fundo dos seus olhos.

Enxergue minha alma
enquanto traduzo seus sonhos
e deixe que a gente flutue
bem juntos em uma só energia.

Vamos dançar juntos
como se voássemos
em uma nuvem exclusiva toda nossa.

E enquanto dançamos,
eu te beijo
e você me beija
e a essa altura
já não sou eu, nem você
Somos nós dois, em um apenas.

Dois seres, dois corpos,
um sentimento,
uma dança,
uma alma única.



(Carlos Drummond de Andrade)

Na curva do rio

domingo, 5 de setembro de 2010

Padre Nosso



Vida vivida, vida cansada, vida afrontada,
Abatido pelo tempo, semblante extenuado,
Nas agruras jamais deixou de ser dedicado,
Sempre determinado na peleja enfrentada.

Fé inabalável de santa devoção,
Energia reposta para continuar,
Enfrentamento de peito aberto,
Sem jamais extraviar da afeição.

Consagra incansavelmente cada dia feliz.
Resoluto, oferta cada pensamento amiúde,
Assim será até o fim devotado a cada petiz.

Dos filhos amados – derrotados ou vencedores,
Perpétua é a gratidão pela alma que nos deste.
Padre nosso de cada dia, amém pela eternidade.


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Presente



te trouxe de longe,
estrelas aromadas,
um pássaro cantante,
de plumagem de arco-íris,
rosas azuis, beijos recentes.
ramalhete de versos líricos
maquiagem chinesa,
para avivar seu semblante.

o perfume do sândalo,
acordes angelicais,
carinho de sobremesa;
flautas transversais.
uma revoada de peixes
ornamentais.

uma enchente de amor,
intenso, autêntico;
sem medida, convicto,
para agrada sua noite,
vesti a lua de linda,
minha língua como açoite,
minha presença ainda.

te quero como habitat,
pousar em seu coração,
tê-lo como morada;
paixão
e
namorada!...


[Gustavo Drummond]

DEVANEIOS



Foi o amargor da perda, fugaz

É a esperança do sonho, eterna

Será a alegria do ter, real


Foi a esperada alegria

É a tida esperança

Será a perdida amargura


Foi a amarga perda

É o tido sonho

Será a alegre espera


Foi a perdida esperança

É a sonhada alegria

Será a tida amargura


Foi o alegre fogo

É a sonhada realidade

Será a eterna espera


O amor...

que fugazmente perdi

que eternamente sonho

que realmente tiver


O amor...

amargo, que perdido foi

esperado, que sonho é

alegre, que terei e que será!



(José Antônio Gama de Souza-Balzac)
Leopoldina, MG, julho de 1998.