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domingo, 31 de janeiro de 2010

Espera


Teus minutos são estalactites
agulhas finas de cal e água
setas refiladas de um relógio
na areia do deserto clepsidra.

Caroços de fruto apodrecido
para uma nova semeadura
em colheita sem nenhum estorvo
anunciando o pródigo regresso.

Que tu venhas sem a matemática
sem a tabuada fria das horas
rachar minha parede de pedra.

Que tu venhas sedutora chama
pluma de pássara renascida
vinda com teu fogo e não com cinzas.


Anibal Beça

sábado, 30 de janeiro de 2010

Magia

Entre pautas e notas me envolvi
Acarinhei o violino com tamanha suavidade
Que a sonoridade trouxe a emoção
Gotejando lágrimas de saudade

E a tua presença, meu poeta
Preencheu o recinto e, de tão intensa
Acalentou meu coração
Teus beijos afagaram meus lábios
Meus braços couberam nos teus
E teu sussurro rouco me encantou
Quando me falaste de teu amor

A arte em movimento de mãos que se perdem
em outras mãos
Num sublime momento se enlaçam e valsam
Qual o musicista que amou a flor amante
E a agasalha do açoite, libertando-a do algoz
Para relembrar o tom inconfundível de tua voz

(Iveti Specorte)

Chegas


Chegas, e de repente eu me pergunto
como pude ser poeta antes de ti,
antes de nossas horas encandeadas...
Como pude escrever coisas que agora
me parecem belezas mutiladas...

Chegas, e de repente me surpreendo
de que ainda haja surpresas para o amor,
marcado como estou de cicatrizes...
Eu que escrevera um dia amargurado:
"agora, em meu caminho, só reprises"...

Chegas, e eu adolesço de alma e de corpo
e de repente, num verão que abrasa
como nunca pensara nem supus,
sou todo novos ramos, verdes ramos,
sou todo sol numa eclosão de luz...


J. G. de Araújo Jorge

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Soneto da Ausência



A mão que disse adeus era um veleiro
no mar da solidão. O amor perdido
era um luar humilde e companheiro
do coração mais que do céu nascido.

Dantes, a paz não fora o meu roteiro.
Sonhava, apenas. Nem jamais, ferido
pelo céu, pelo mar, vivera inteiro
o meu reino de luz, já proibido.

Vi então que a alegria era um soluço
e o coração o mar e o céu cansados,
o coração há tanto adormecido.

E hoje no adeus, lembrando, me debruço,
no adeus que é o grito dos desesperados
e o olhar febril de algum enlouquecido.


Alphonsus de Guimaraens Filho

Soneto da Busca




Eu quase te busquei entre os bambus
para o encontro campestre de janeiro
porém, arisca que és, logo supus
que há muito já compunhas fevereiro.

Dispersei-me na curva como a luz
do sol que agora estanca-se no outeiro
e assim também, meu sonho se reduz
de encontro ao obstáculo primeiro.

Avançada no tempo, te perdeste
sobre o verde capim, atrás do arbusto
que nasceu para esconder de mim teu busto.

Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou
e a face que na rua não passou.


Carlos Pena Filho

domingo, 24 de janeiro de 2010


Hoje eu digo e estou certo

Que de todos os meus versos

Desenhados no anverso

Não há poema predileto

Num estado diferente

E é definitivamente

Em todos eles se sente

Um passado e um presente

Não há forma, nem a rima

Que começa e que termina

Em um verso tão perfeito

Não escolho nada a dedo

Eu nem tenho um poema

Que é dito o preferido

Cada um tem uma história

Conta sempre a trajetória

Do que dizem que é amor

Do que dizem que é dor

Do que passa lá no peito

Do que dizem que maltrata

Do que dizem que é perfeito



Adriano Hungaro

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Os silêncios



Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo


Maria Teresa Horta

Tu que nunca serás



Sábado foi caprichoso o beijo dado,
Capricho de varão, audaz e fino
Mas foi doce o capricho masculino
A este meu coração, lobinho alado.

Não é que creia, não creio, se inclinado
sobre minhas mãos te senti divino
E me embriaguei, compreendo que este vinho
Não é para mim, mas jogo e roda o dado...

Eu sou a mulher que vive alerta,
Tu o tremendo varão que se desperta
E é uma torrente que se desvanece no rio

E mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, resisto, mas me tens toda,
Tu, que nunca serás de todo meu.


Alfonsina Storni
Tradução de Maria Teresa Almeida Pina

Meu Coração


Eu tenho um coração um século atrasado
ainda vive a sonhar...
ainda sonha, a sofrer...
acredita que o mundo é um castelo encantado
e, criança, vive a rir, batendo de prazer..

Eu tenho um coração - um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender...
- é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser...

Quando tudo é matéria e é sombra - ele é uma luz
ainda crê na ilusão, no amor, na fantasia
sabe todos de cor os versos que compus...

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
- e é por isso talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado


J.G.de Araújo Jorge

Esperança




Saúdo-te, esperança, tu que vens de longe,
inundas com teu canto os tristes corações,
tu que dás novas asas aos sonhos mais antigos,
tu que nos enches a alma de brancas ilusões.

Saúdo-te, Esperança. Tu forjarás os sonhos
naquelas solitárias desenganadas vidas,
carentes do possível de um futuro risonho,
naquelas que inda sangram as recentes feridas.

Ao teu sopro divino fugirão as dores
como tímido bando de ninho despojado,
e uma aurora radiante, com suas belas cores,
anunciará às almas que o amor é chegado.


Pablo Neruda

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Soneto da Saudade




Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
Eternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.

Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.


(Guimarães Rosa)

sábado, 16 de janeiro de 2010

PAQUETÁ ILHA DA POESIA



Quiçá Paquetá não seria
uma sereia do mar,
que com seu cantar
me atraia a sonhar,
esse sonho inspirado
... da Ilha da Poesia?

Se assim foi, obrigado
Netuno deus dos mares,
obrigado a Bragi e Idun,
deuses da aprazível poesia.
Obrigado Deus Pai Criador,
ao me permitir tal serventia.

O pacto está lançado
e vassalo da lírica,
me tornei, com muito
e o mais nobre agrado.
Me intua Mãe Poesia, que
eu acato e será realizado!


Antônio Poeta

ILHA DE PAQUETÁ - JOANA RODRIGUES

Violeta



Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
- Se eu deixo as rosas do prado
É só por ti - violeta!

Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.

A borboleta travessa
Vive de sol e de flores.
- Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!

Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
- Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel - violeta


Casimiro de Abreu

Um dia



Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Soneto da Separação




De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinícios de Moraes

Ser poeta



Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca

Amor Bastante



quando eu vi
você
tive uma ideia
brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só intante
basta um instante
e você tem amor bastante


Paulo Leminski




Estou perdidamente emaranhada
em seus fios de delícias e doçuras.

Já não encontro o começo da meada,
não sei nem mesmo
se há uma ponta de saída,
ou se a loucura
vai num ritmo crescente
até subjugar a minha vida.

Não importa.
Quero seus nós de seda
cada vez mais cegos e apertados
a me costurar nas malhas e nos pêlos.

Enquanto você me amarra,
permanece atado
na própria trama redonda do novelo.


Flora Figueiredo

ANTI-CHAR



Poesia intransitiva,
sem mira e pontaria:
sua luta com a língua acaba
dizendo que a língua diz nada.


É uma luta fantasma,
vazia, contra nada;
não diz a coisa, diz vazio;
nem diz coisas, é balbucio.


João Cabral de Melo Neto

Terra longínqua



Esta noite voltei em um barco à vela
Das ilhas do sol e dos arbustos de corais.
Donzelas ornadas com pentes de ouro
Continuaram na praia das ilhas do sol.

Durante quatro anos de mel e de leite
Passeei pelas ilhas do sol.
Os cabazes achavam-se cheios de frutos.
As cerejas resplandeciam ao sol.

Marinheiros e marujos de setenta países
Navegavam para as ilhas do sol.
E durante quatro anos, sob o sol ardente,
Eu contei as naves de ouro.

Durante quatro anos redondos de maçãs
Eu uni fieiras de corais.
Mercadores e bufarinheiros das ilhas do sol
Estendiam tecidos escarlates.

O mar era profundo no fundo das profundezas
Quando voltei das ilhas do sol.
Gotas de luz pesadas feito o mel
Rolavam sobre a ilha à hora do poente


Dália Ravikovitz
Tradução de J.Guinsburg

Minha Espera




Crendo e sonhando a encontrar um dia,
Me pus na esquina do ideal à espera,
Do que pensei que fosse, mas não era,
Tão fácil de surgir... Mas não surgia.

Assim esperei... O tempo meu fugia...
E fui, na minha crença tão sincera,
Vendo passar a minha primavera,
Enquanto lento o inverno aparecia.

Mas acredito: ela virá ainda,
Mesmo que a minha vida esteja finda,
Porque meu sonho a crer assim me faz.

E alguém pergunta-me: "a quem espera?"
Respondo: "o aparecer de uma nova Era,
Que traga ao mundo a tão sonhada paz".


(Sá de Freitas)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Certeza




De tudo, ficaram três coisas
A certeza de que ele estava sempre começando...
A certeza de que era preciso continuar...
A certeza de que seria interrompido antes de terminar....

Fazer da interrupção um caminho novo ...
Fazer da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...



Fernando Sabino

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Estou de passagem...




Esse mundo não é meu,
não é nosso, não é seu...
Quanto a mim?

Estou de passagem!
Não guardo rancores, magoas,
amores, dou um fim as minhas dores...
Procuro sempre me lembrar que;
estou de passagem por esse lugar...

Nada posso guardar, pois ,
bagagem não poderei levar.
Cheguei sozinho,
assim também partirei...

De onde vim, trago relapsos,
de lembranças, que desde criança,
estão comigo.

Pra onde de vou?
Só tenho esperança,
na fé que possuo, que faz-me sentir,
que é um lugar seguro,
onde finalmente, me sentirei em casa...


(Valquíria Cordeiro)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Lamento das coisas



Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que não se realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidando
Da natureza que parou, chorando,
No rudementarismo do Desejo!


Augusto dos Anjos

Dá-me tua mão



Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.


De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.


Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.



Clarice Lispector

Poema da Amante




Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


Adalgisa Néri

Tua Dádiva




Acolhe-me em teu abraço,
com teu olhar me afirma:
aquele espaço a teu lado
é o porto da minha viagem,
meu lado de rio, minha margem.


Abriga-me no teu corpo
para que o meu se desdobre
em onda de mar ou concha.


Aceita-me e me recria
como nem eu me conheço:
em ti parece que chego
como uma coisa concreta,
algo que avança e se adianta,
e só assim se desdobra,
pois antes era miragem.


Recebe-me em duas partes:
aquela que o mundo avista,
e a outra, a verdadeira,
chão de tua sombra que passa,
e da tua luz que se planta.


(Lya Luft)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Acalanto




Sonhei um sonho, e neste sonho havia
Um algo assim de arrolo e de acalanto,
Um algo assim de êxtase e de encanto
Era um enlevamento o que eu sentia.

Mas no meu sonho, eu não conseguia
Saber de onde vinha aquele canto,
Por mais que eu procurasse no entanto
Alguém que o cantava se escondia.

Foi no acordar então que dei por mim.
Quando se sonha alguma coisa assim
É a mão de Deus que em nós se faz sentir.

E ficou claro o que eu não entendia
A voz que ouvi era a voz de Maria
Cantarolando pra Jesus dormir.


Jenário de Fátima

Se




Se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra

eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto

ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio

daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse...


Alice Ruiz

Não quero rosas


    Não quero rosas, desde que haja rosas.
    Quero-as só quando não as possa haver.
    Que hei-de fazer das coisas
    Que qualquer mão pode colher?

    Não quero a noite senão quando a aurora
    A fez em ouro e azul se diluir.
    O que a minha alma ignora
    É isso que quero possuir.

    Para quê?... Se o soubesse, não faria
    Versos para dizer que inda o não sei.
    Tenho a alma pobre e fria...
    Ah, com que esmola a aquecerei?...


    Fernando Pessoa, 7-1-1935.